terça-feira, 19 de abril de 2011

MUSICA DE PROTESTO X JOVEM GUARDA X TROPICALISMO, FESTIVAIS E MANIFESTOS*

As décadas de 60 e 70 foram marcadas por três movimentos musicais contemporâneos tinham suas influências e suas ideologias diferenciadas. Os representantes da Música de Protesto tinham como principal influência a Bossa Nova e a representação da classe média politizada de esquerda.

Nesse contexto conturbado do fim dos anos 60 surge a ‘canção de protesto’. Inspirados pela ideologia marxista e em reação à ditadura que se instalara no país, alguns compositores passaram a veicular, conscientemente, mensagens políticas de protesto ao regime ditatorial. O melhor exemplo é ‘Pra não dizer que não falei das flores’ (‘Caminhando e cantando’), de Geraldo Vandré.” (CALVANI, 1999: 126-127) 

A jovem guarda apresenta como influência o neo-rock’in’roll dos Beatles e também representava a classe média paulista ligada a festas e a coisas fúteis.

A nova moda entrava nos lares, nos ouvidos e nos guarda-roupas. Para os rapazes, a onda era usar cabelos compridos – influência dos Beatles – e calças colantes bicolores, com a indispensável boca-de-sino. A minissaia era a peça básica da ‘garota papo-firme’, acompanhada por botas de cano alto e cintos coloridos.” (BRANDÃO & DUARTE, 1990: 65)

Já o tropicalismo utiliza de influências o rock não dos Beatles, mas sim dos Rolling Stones e desconstruía toda a estética de roupas e assessórios utilizados pelos seus representantes.

“A polêmica levantada pelo tropicalismo, suas composições e encenações tinham de fato conteúdos muito mais revolucionários que a esquerda poderia perceber naquela época.” (CALVANI, 1998: 129) 

Chico Buarque, Elis Regina e Geraldo Vandré se vestiam de modo “social” com camisas de botão e calças de tecido nobre. Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléia, abusavam das calças boca-de-sino e da minissaia da garota papo firme. Medalhões e Cabelos cumpridos para os homens também. Caetano Veloso, Gilberto Gil e Nara Leão, já se vestiam como o hippie americano, onde tecidos coloridos e algodão eram utilizados em larga escala. Mas o principal ponto do tropicalismo é a antropofagia cultural.
Esses três movimentos cada um com suas características se digladiavam nos festivais da canção. O III Festival da MPB em 1967 demonstra a ruptura dos músicos engajados e grupo dos baianos do Tropicalismo.
Os festivais foram um trampolim para o Tropicalismo. Já em 1967

Além das novidades apresentadas nas canções, as próprias performances de Caetano e Gil foram inovadoras. Caetano, (…) tinha claro o caráter performático daquele evento e revestiu-se de uma aura de despojamento (…). Caetano como se pode verificar no registro em videotape disponível, parece cantar com um sorriso nos lábios, adotando uma atitude que reforçava a leveza provocativa de ‘Alegria…’. Gilberto Gil e Os Mutantes (por si só performáticos) também imprimiram um tom irreverente ‘A Domingo no Parque’ (…) Gil parecia ser um simulacro, quase uma paródia do cantor engajado de festival, artificialmente exortativo.” (NAPOLITANO, 2001: 197)

No festival de 1968 na TV Globo, Gilberto Gil e Caetano continuaram a causar impacto. Na final do Festival Caetano com a música Proibido Proibir, junto com Os Mutantes se apresentaram com roupas feitas de plástico colorido – rosa, alaranjado, prateado, verde-limão – apesar da televisão ainda transmitir em preto e branco.

…a platéia ainda foi surpreendida pela bizarra aparição de Johnny Dandurand, um genuíno hippie norte-americano fugido do serviço militar em seu país, que a partir de uma senha em inglês de Caetano entrou em cena gesticulando e berrando palavras incompreensíveis. A partir disso, a platéia não mais se conteve. Ofensas, vaias, ovos e tomates.” (CALADO apud WORMS & COSTA, 2005: 101)

Caetano então responde a reação do público com um discurso provocativo.

Mas é isso que é a juventude que diz que quer tomar o poder? (…) Vocês não estendendo nada, nada, nada, absolutamente nada. ( …) Hoje vim dizer aqui que quem teve coragem de assumir a estrutura do festival, (…) e fazê-la explodir foi Gilberto Gil e fui eu! (…) Vocês são iguais a sabe a quem? São iguais (…) àqueles que foram na Roda Viva e espancaram  os atores. (…) Nós, eu e ele [Gilberto Gil] tivemos coragem de entrar em todas as estruturas e sair de todas. E vocês? E vocês? Se vocês… se vocês em política forem como são em estética, estamos feitos.” (Idem, 2005: 102-103; NAPOLITANO, 2001: 272-273; CALADO: In: DE CARLI & RAMOS, 2008, 44)

No embalo desses festivais, surge o movimento artístico-estético do tropicalismo e em 1968 lança o disco-manifesto Tropicália ou panis et circensis, que contou com a participação de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé, Gal Costa, Maria Bethânia, Torquato Neto, Os Mutantes e Nara Leão, por exemplo. É por muitos, considerado revolucionário até hoje. A revolução estética feita por este disco, é definido como

…uma salada musical, com espaço para o rock, o samba, o bolero e a canção romântica. Como dizia Torquato Neto, poeta da Tropicália, ‘existem muitas maneiras de fazer música e eu prefiro todas’” (BRANDÃO & DUARTE, 1990: 72)

A capa do LP já traz também uma mensagem de manifesto. Segundo Celso Favaretto, citado por Marcos Napolitano, em “Seguindo a Canção”, a capa do LP tem a seguinte discrição:

Veja-se  a  capa,  ela  compõe  a  alegoria  do  Brasil que as músicas  apresentarão  fragmentariamente (…) Sobressai  a  foto do  grupo, à maneira  dos  retratos  patriarcais;  cada  integrante representa  um  tipo:  Gal  e  Torquato formam o casal recatado; Nara, em retrato, é a moça brejeira; Tom Zé é o nordestino, com sua mala de couro; Gil sentado segurando o retrato de formatura de Capinam,  vestido com  toga  de cores tropicais, está à frente de todos, ostensivo; Caetano, cabeleira despontando, olha atrevido; os Mutantes, muito jovens, empunham guitarras e Rogério Duprat, com a chávena-urinol, significa Duchamp. (…). O retrato é emoldurado por faixas compondo as cores nacionais, que produzem o efeito de profundidade (…) Na capa representa-se o Brasil arcaico e provinciano; emoldurados pelo antigo, os tropicalistas representam a representação.” (FAVARETTO apud NAPOLITANO, 2001: 262-263)

Musicalmente percebe-se que as canções, mesmo sendo individuais, tem que ser entendidas num todo. Napolitano (2001: 264), compara, em mais uma citação de Celso Favaretto, esse LP com o Sergeant Pepper’s dos Beatles, lembrando também por Calvani (1998: 128), colocando que cada música mantém uma relação de diálogo com as demais. As canções são estruturadas (música, letra e arranjos) junto com fragmentos, sejam literários, musicais e sonoros.
Algo que achamos interessante na formulação das músicas do tropicalismo é a música-câmera-na-mão. Algumas músicas procuram apenas “jogar” informações/imagens, como um rápido expositor de slides. Alegria, Alegria de Caetano Veloso é exemplo disso.

A letra de ‘Alegria, Alegria’ é como um filme em que o compositor age como um câmara man que passeia nas ruas de um grande centro urbano, descrevendo imagens que se sucedem como num videoclipe pré-MTV.” (CALVANI, 1998: 130-131)     

No livro Tropicália (DE CARLI & RAMOS, 2008) essa teoria é levantada também.
A canção [Clever Boy Samba] referenciava vários lugares badalados na capital baiana; em Alegria Alegria’, retoma a temática, alarga a poética arte/vida e descreve o rapaz andando na grande Cidade Maravilhosa, olhando pessoas, coisas, o dia iluminado; as coloridas imagens das revistas, com fotos de atrizes de cinema, misturadas com cenas violentas de guerra e flagrantes de viagens espaciais. Para esse caleidoscópio de imagens, imaginou um som meio elétrico, meio pop, que tivesse a ver com movimento, urbanidade: uma ‘letra-câmara-na-mão’ como definiu Décio Pignatari.” (DE CARLI, 2008: 85)

Trecho do artigo Final da disciplina: Uso das Imagens em Ciências Sociais do mestrado de sociologia da UFAL

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